quarta-feira, junho 25, 2008


Mugabe, o Zimbabwe e Angola

À medida que a verdadeira cara do regime tirânico do ditador Robert Mugabe assume os seus verdadeiros contornos, há uma outra realidade que também se torna evidente, e ao mesmo tempo terrível para os governos de muitos países africanos.

Essa realidade, é a da demonstração efectiva, suportada pelos factos e pela realidade social e económica desses países, de que a África não estava preparada para a independência nos anos 60, como também não estava nos anos 70.

Deve sempre ser lembrado que as realidades «nacionais» africanas, são o resultado de fronteiras desenhadas a régua e esquadro nos salões dourados de Berlim em 1878.
A conferência que dividiu a África, foi uma ideia portuguesa, apadrinhada pelo chanceler Bismarck, desejoso de estabelecer um império ultramarino alemão. Naquela conferência as potências europeias, sem qualquer conhecimento da situação real no terreno, criaram divisões absolutamente artificiais, sem qualquer lógica e sem qualquer correspondência à situação no terreno, dividindo e repartindo comunidades e povos africanos.

Mas para além dessa realidade, que já foi responsável por inúmeras guerras civis e conflitos, desde as independências nos anos 60 que a maioria dos países da África tem-se mantido entre os mais famintos, pobres e miseráveis do mundo.

Livrados dos «grilhões» imperiais, através de independências forçadas por uma lado pelos Estados Unidos - desejosos de mercados para as suas empresas - e por outro lado pela União Soviética - que pretendia expandir o seu poder no mundo exportando o marxismo leninismo - as apressadas independências africanas, são acima de tudo o resultado da incapacidade europeia para resistir às investidas das duas super potências que emergiram após a II guerra mundial.

Não tendo criado as estruturas necessárias para a manutenção de instituições funcionais, os Estados Africanos, acabaram por escorar as suas instituições em grupos étnicos, ou grupos de interesses, que rapidamente se transformaram em organizações de pessoas cujo único objectivo era o de gerir a riqueza nacional como se de fortuna pessoal se tratasse.

Quando se olha para as nações africanas, há muito poucos exemplos de sucesso, mas a chamada «luta pela independência» continua a ter uma importância fundamental no imaginário de várias elites africanas, que continuam a insistir na tecla da unidade nacional, fundamentada na luta contra a potência colonial.

O presente caso do Zimbabwe, é demonstrativo de todos estes problemas.
A antiga Rodésia, tornou-se independente sob o governo de uma minoria branca, aterrorizada com a facilidade com que o império britânico cedeu por todo o lado, perante a pressão titânica dos Estados Unidos e da União Soviética.

Na África do Sul, uma outra realidade nacional de origem racial, baseada numa minoria branca (que embora minoritária era numericamente significativa) existia desde 1910, como uma espécie de estado associado do império britânico.
É essa União Sul Africana que apoiará em 1965 a independência rodesiana. No entanto, se economicamente a Rodésia se apoiava na África do Sul, o que defendia na realidade as fronteiras do país era a presença de Portugal, que ao atacar os movimentos revolucionários nas proximidades das fronteiras rodesianas impedia a sua progressão, e acabava por isolar a então Rodésia dos inevitáveis problemas que posteriormente teve que resolver.

Mais tarde, depois de 1974, sem o apoio protector da presença das tropas portuguesas em toda a sua fronteira leste, com Moçambique, o governo de minoria branca durou mais cinco anos, acabando por soçobrar em 1979, e no ano seguinte Robert Mugabe, ascendeu ao poder, num processo eleitoral democrático.

Mas embora chegando ao poder pela via do voto, Mugabe estava condicionado por um sistema eleitoral que dava aos brancos cerca de 20% dos lugares no parlamento, e mais tarde ou mais cedo, o aparecimento de um movimento de oposição eficiente, poderia retirar a Mugabe a maioria, pois para conseguir controlar o parlamento, Mugabe tinha que garantir um mínimo de 64% dos deputados negros, maioria difícil de obter e sem a qual o controlo efectivo do país seria impossível.

A garantia do controlo do poder foi conseguida mais tarde já em 1987 com a união entre os dois principais partidos negros a ZANU de Mugabe (em parte apoiada pela China) e a ZAPU, um partido de orientação e apoio soviético. Mais tarde Mugabe acabaria por institucionalizar um sistema de partido único.

Os partidos moderados foram desaparecendo da cena política, à medida que a corrupção ia grassando pelo país.
No inicio dos anos 70 a Rodésia tinha uma agricultura florescente, mas nos anos 80, a pressão do partido de Mugabe, levou a que fossem criadas leis que facilitassem a transferência de parte da terra propriedade de agricultores de origem europeia, para os africanos.
O processo revelou grandes deficiências e a produção agrícola ressentiu-se. No entanto, com a crise a agudizar-se e Mugabe com problemas perante a opinião pública, foi decidido avançar para um programa mais radical de redistribuição de terras, a partir do ano 2000, no qual os agricultores brancos foram pura e simplesmente expulsos das suas plantações agrícolas.

Mugabe tentou assim conseguir apoio popular de parte de massas de camponeses pobres, mas os resultados da sua política conduziram à maior catástrofe na história do país.

A produção agrícola entrou em colapso e num país que tinha grandes excedentes agrícolas, passou a ser normal ver situações de fome e falta generalizada de alimentos.
Mais de 3.000.000 de cidadãos do país fugiram à fome emigrando para a vizinha África do Sul e mesmo Moçambique, cujo governo de Samora Machel foi fortemente apoiado por tropas do Zimbabwe acabou por receber refugiados do país de Mugabe.

Este apoio a Moçambique no passado, leva a que nos debrucemos sobre as razões que explicam a manutenção no poder em Harare daquele que já é por muitos considerado como um novo Idi Amin.

Por detrás do imaginário africano da luta pela libertação, esconde-se uma realidade tenebrosa, alicerçada na corrupção generalizada, que começa do topo para baixo e que atinge toda a estrutura dos governos africanos de partido único que se habituaram a controlar a sociedade e a economia.

As potências europeias não podem, nem querem, dar a impressão de estar a intervir em África, correndo o risco de serem apontadas como potências neo-colonialistas. Mugabe tem aliás sido exímio ao esgrimir esse tipo de argumentos, utilizando os órgão de comunicação social do estado, completamente controlados pelo partido único, para acusar a oposição de estar ao serviço da Grã Bretanha.

Os países vizinhos do Zimbabwe, têm uma batata quente nas mãos, porque se a situação se está a tornar insustentável e o Zimbabwe está à beira da guerra civil, também não é menos verdade que o desastre de Mugabe, o seu insucesso, a corrupção e a decadência a que chegou o país atingiram um nível tal, que os países vizinhos temem que a queda do ditador de Harare afecte de alguma maneira os seus respectivos regimes.

Se o apoio da África do Sul é importante para o Zimbabwe, ele não é no entanto o único esteio do regime de Harare.

Apoio de Angola e de Moçambique

Moçambique, é tradicionalmente um país que tem apoiado o regime de Mugabe, mas a influência da Commonwealth, organismo de que Moçambique faz parte, também condiciona o comportamento do governo de Maputo. As antigas alianças entre o anterior presidente Chissano e Mugabe são coisa do passado. Moçambique não apoiará Mugabe por muito mais tempo.

Outro dos países que apoia Mugabe é Angola, e aí, por outras razões.

Na proximidade de um período eleitoral, Angola vai pela primeira vez enfrentar eleições em 5 e 6 de Setembro de 2008.
Em Angola, existe na prática uma situação de partido único e o homónimo de Mugabe, José Eduardo dos Santos, bem como o partido de governo, MPLA, não escondem que a democracia é um vento que desagrada profundamente aos dirigentes angolanos.

A queda de Mugabe, poderá ser vista em Angola como um prenúncio do que está para vir. Há 16 anos, as eleições angolanas despoletaram o reacender de uma cruel guerra civil. No Zimbabwe, o ditador avisou claramente que se não ganhasse as eleições, o seu partido pegaria em armas para ganhar se necessário na ponta das espingardas o que não conseguisse com o voto.

Em Angola, a situação não é muito diferente.
O MPLA, como a ZANU de Mugabe não sairá do poder, não sairá de Luanda, não deixará os lugares na administração pública.

Luanda quer a todo o custo que o Zimbabwe seja um exemplo. Se Mugabe perdesse as eleições, isso poderia afectar o MPLA em Setembro.
Os dois partidos têm raízes idênticas e as mesmas referências históricas. Os dois partidos transformaram-se em organizações que vivem do Estado e sugam o Estado. E sem esse poder suportado pelo completo controlo da comunicação social e da economia (tanto em Harare como em Luanda), o futuro não estará garantido para as elites governantes.

Mugabe foi muito claro, quando declarou a sua determinação em matar se necessário para garantir a vitória.

Em Angola o caminho será o mesmo. O MPLA dificilmente sairá do poder sem sangue. Não é previsível que o partido que governa em Luanda perca as eleições de Setembro de 2008, porque o completo controlo da máquina administrativa e de comunicação do Estado Angolano por parte do MPLA para já, garante a vitória, com uma suficiente aparência de normalidade.

Mas à medida que as desigualdades sociais forem aumentando em Luanda e no resto do país, à medida que o povo começar a aperceber-se de que a sua miséria não tem nada a ver com questões externas, com a exploração dos brancos, mas sim com a corrupção que grassa como uma doença incurável no partido do poder, então o MPLA será forçado a conseguir à bala, o que está condenado a perder nas urnas.

O que vier a ocorrer no Zimbabwe, é da maior importância para o futuro dos países vizinhos.

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