sábado, fevereiro 13, 2010


Não nos podem prender a todos

Há quarenta e cinco anos, a 13 de Fevereiro de 1965, durante a manhã, nas proximidades da vila portuguesa de Olivença, caia assassinado o General Humberto Delgado.

As circunstâncias do assassinato não foram completamente esclarecidas. Se o regime português da altura tinha interesse em acabar com um possível opositor de peso - que era aliás conhecido como General Coca-Cola pelas suas tendências liberais e pró americanas - também não é de excluir que Delgado se tivesse tornado demasiado incómodo para os movimentos que se opunham ao regime [1].

Candidato à presidência nas eleições de 1958, recebeu oficialmente 23.6% dos votos, embora em termos de movimentação popular tenha conseguido efectuar grandes comícios e manifestações nos grandes centros urbanos.
Foram detectadas várias fraudes eleitorais que permitiram deduzir a possibilidade de Humberto Delgado ter de facto ganho as eleições.

Humberto Delgado, ficou conhecido como «General Sem Medo». Saído das fileiras do próprio regime e apoiante claro de Salazar desde a primeira hora, Delgado tinha sido enviado para o estrangeiro, onde se apercebeu da necessidade de uma renovação do regime.

Acreditando que tinha consigo a maioria da população (e provavelmente teria), o general enfrentou corajosamente um regime, que naquela altura parecia ter entrado numa fase de declínio, declínio esse que apenas a guerra em África e a invasão de Goa impediram, por criarem uma onda de simpatia que ajudou Salazar até ao fim.

Não nos podem prender a todos

Se é verdade que a mais famosa frase de Delgado foi «Obviamente demiti-lo-ía»[2] também não deixa de ser verdade que entre as várias afirmações que proferiu, passou à História aquela em que numa acção de propaganda, terá acalmado os seus simpatizantes, lembrando que a PIDE - a polícia do regime - não podia prender todos.


No dia de ontem, Sexta-feira, dia 12 de Fevereiro de 2010, um jornal português foi publicado, mesmo após ter sido colocado perante uma medida judicial de providência cautelar que determinava a proibição da sua publicação.

O acto, reveste-se de um grande significado, a apenas algumas horas da comemoração de mais um aniversário do assassinato de um português que morreu pela liberdade do seu pais, e constitui uma AVILTANTE e REPUGNANTE tentativa de censura, baseada num juízo miserável e indigno, de um qualquer juiz anónimo, actor na telenovela MISERÁVEL em que se transformou a vida política portuguesa.

Como no tempo do antigo regime, em que faziam parte do sistema judicial miseráveis juízes fantoches, que prostituíam a justiça, nessa aberração criminosa que foram os TRIBUNAIS PLENÁRIOS, também hoje, parece que há actores nesta atroz peça tragicomédia que chegaram ao mais baixo degrau da cave da latrina inundada em que está mergulhada a justiça portuguesa.

A AVILTANTE PROVIDÊNCIA CAUTELAR com que um regime caduco, velho e disforme, tentou calar a verdade, e impor a Censura Prévia, mostra que os velhos e criminosos costumes não desaparecem com facilidade, e que como o esterco, voltam a boiar na água porca sempre que um governante pouco dado a respeitar a Sagrada Liberdade do Povo, chega a São Bento e lhes dá rédea larga, para que pratiquem os seus abusos e desmandos.

Desde que o primeiro código de Leis foi publicado pelos Assírios, que as Leis escritas derivam de uma análise da realidade, de um estudo dos equilíbrios entre o Bem e o Mal, em que a lei deve proteger aquele ou aqueles que agem Bem e punir aqueles que agem Mal.

As leis estão escritas, mas elas partem de uma análise da realidade que teve que se basear em algo que comummente se designa por senso comum e o bom senso é a base de qualquer acção ou decisão justa.

Quando os actores da «Justiça» esquecem completamente o bom senso e se limitam a olhar para a letra de Lei, dão lugar a que não recorrendo a esse bom senso se possa (como o prova a prática) chegar a decisões desastrosas, desajustadas, quando não injustas aos olhos do povo.

Por razões formais, os juízes vestem Toga. A vestimenta é meramente cerimonial, e destina-se a dar aos actos uma aura de dignidade que os deve acompanhar.

Na fábula de Hans Christian Andersen, um monarca louco desfila pelas ruas pensando trajar a mais ricamente ornamentada das vestes. Na verdade, o rei vai nu, mas ninguém se atreve a dize-lo.
Apetece dizer que, em Portugal, uma parte dos pobres e decadentes actores da justiça, pensam que levam a Toga, mas na verdade vão despidos de qualquer veste, mostrando a sua pele macilenta, a sua ossada prestes a desconjuntar-se e as «partes» tapadas com um avental branco.

A credibilidade que lhes era dada pela Toga que pensam trazer vestida, foi perdida há muito, nos tapetes do templo.




[1] - Tais movimentos, reconhecidamente utilizaram o expediente do assassinato para ultrapassar problemas do tipo. É assim que é assassinado Eduardo Mondlane, em circunstâncias estranhas morreu Amílcar Cabral, na mesma Guiné-Bissau onde foi assassinado Nino Vieira. Também Agostinho Neto terá sido assassinado em circunstâncias não esclarecidas. Em quase todos os casos a polícia secreta portuguesa foi considerada culpada. As evidências no entanto apontam para conflitos internos dentro dos respectivos movimentos.
Também o dirigente comunista português Álvaro Cunhal terá mandado executar vários dos seus próprios camaradas de partido para resolver questões internas.

[2] – A frase foi citada por políticos da oposição que estavam presentes. A versão mais corrente é a de «Obviamente demito-o». Delgado não terá realmente afrontado Salazar como se fez mais tarde crer.

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